“É a Ales de Jon Fosse” (Resenha)

Rafael Santos Barboza
2 min readJan 26, 2024

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“É a Ales” de Jon Fosse

A premissa do livro se dá em torno do desaparecimento do personagem Asle em um dia no mês de Novembro de 1979, após sair para um passeio de barco. Esse desaparecimento é narrado principalmente sob o ponto de vista de Signe, sua esposa.

Apesar do mistério que permeia o que aconteceu nesse dia específico, “É a Ales” está bem longe de ser um livro de suspense. Trata-se praticamente do oposto disso, pois ao invés da apreensão e expectativa de um mistério a ser solucionado, o que o autor tenta descrever é a experiência de um tempo que ficou como que congelado: “(…) ela olha para essas coisas sem ver, e tudo está como sempre esteve, nada mudou, mas assim mesmo tudo mudou”.

Não à toa, Jon Fosse, que ganhou o Nobel em 2023, foi retratado como um autor que tentou dar nome ao indizível. A metáfora do congelamento é recorrentemente utilizada por alguns autores psicanalíticos para abordar certos estados subjetivos de luto e, muitas vezes, dos chamados “lutos não autorizados”. São lutos que, por razões diversas, não são reconhecidos no coletivo, seja porque seriam invalidados socialmente ou porque as próprias circunstâncias em que ocorreram a perda não estão claras. A ideia de congelamento envolve identificação e fixação com um objeto que permanece imobilizado, produzindo um luto com ares de um eterno presente intransformável pelo tempo.

Muitas passagens do livro remetem a uma frase da diretora Agnès Varda no documentário “As Praias de Agnés” (2008) de que “se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens”. No caso da história, os elementos do ambiente são continuamente evocados, principalmente os fiordes noruegueses: canais de água do mar rodeados por paredes de montanhas elevadas. Assim como as paisagens descritas, os personagens também são formados pelas erosões que atravessaram gerações. Mais especificamente, o livro centra em memórias geracionais da família de Asle, até a sua trisavó, Ales, que dá nome ao título.

“O fato de que sempre há de ver a si mesma, ela pensa, não há como se livrar daquilo tão cedo”.

Autor:

Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online.

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