Síndrome do Intestino Irritável: orquestra psicossomática

Rafael Santos Barboza
4 min readJan 23, 2024

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Composition — Johannes Itten

www.rafaelpsi.com.br

A Síndrome do Intestino Irritável, conhecida como SII, é uma condição que afeta o funcionamento do intestino, causando diversos desconfortos. Uma das suas principais características é a alteração no hábito intestinal, que pode se manifestar como diarreia, constipação ou alternância entre ambas.​

Os sintomas da SII podem ser bastante incômodos, levando o indivíduo a evitar situações sociais por medo de sofrer constrangimentos. Essa situação impacta diretamente na qualidade de vida, gerando ansiedade e frustração.​

É importante ressaltar que a SII é uma doença crônica, ou seja, apresenta períodos de melhora e piora dos sintomas. Nas fases mais agudas, os desconfortos podem ser intensos e prejudicar significativamente o bem-estar do indivíduo.

Por isso, o acompanhamento psicológico é fundamental para auxiliar no manejo da SII. Através da terapia, o paciente aprende a lidar com os sintomas físicos e emocionais da doença, desenvolvendo estratégias para melhorar sua qualidade de vida.

Determinadas situações estressantes podem vir a se tornar gatilhos para crises de SII. Isso pode levar a uma espécie de ciclo vicioso, afinal de contas, os próprios sintomas desconfortáveis da SII geram mais ansiedade e raiva. Assim, cuidar da saúde mental é cuidar do intestino. Cuidar do intestino é cuidar da saúde mental.

Já notou, por exemplo, que os seus sintomas de Síndrome do Intestino Irritável pioram quando você está vivendo um momento mais turbulento na vida? Ou mesmo quando um imprevisto simples acontece, desde esquecer a chave de casa ou um engarrafamento que não estava nos planos?

Um estado de stress não é somente um estado mental, mas um estado bioquímico. As nossas emoções sempre vão envolver manifestações fisiológicas. Não há emoção vivida somente no plano mental. Exemplos dessas expressões corporais são a frequência cardíaca aumentada, a mudança na motilidade intestinal, a contração e tensão muscular.​

A relação entre digestão e saúde mental é contínua e acontece de maneira interacional, como uma orquestra. Quando estamos estressados ou ansiosos, é como se a orquestra estivesse em pânico. No geral, respostas de ansiedade e stress visam ativar o sistema para reações de sobrevivência. Do ponto de vista da psicanálise, essa resposta pode ser ativada em situações que trazem à tona pontos de sensibilidade na história de vida de cada pessoa.

Considerando que o corpo humano é atravessado pela linguagem e pelo inconsciente, o sofrimento humano vai além apenas da questão fisiológica. Um desconforto intestinal também é um desconforto mental. Fazendo uso de uma referência a Freud, nem todas as dores crônicas são causadas pela mente, entretanto, todas são “utilizadas” por ela: há uma participação subjetiva sempre implicada. O neurocirurgião John D. Loeser sustenta que “aqueles que querem tratar pacientes com dor crônica devem incluir o uso da narrativa em suas habilidades diagnósticas e terapêuticas”.

O trabalho psicológico com pacientes com SII sempre irá além das manifestações e desconfortos físicos. Ou seja, busca-se sempre oferecer um espaço de escuta para que o sujeito como um todo apareça. Afinal de contas, outras questões como relacionamentos, trabalho, frustrações, ressentimentos, decepções podem estar diretamente relacionadas aos episódios agudos ou à cronificação da doença.

O sujeito não é apenas um amontoado de órgãos recobertos por uma pele. É também uma história de vida. História essa atravessada por outras histórias. E que acontecem em períodos sociais específicos, em arquiteturas culturais delimitadas.

Importante mencionar que a experiência psicoterapêutica funciona a partir do afeto e não do intelecto. O objetivo não é de intelectualizar o paciente, mas de, a partir de uma relação singular, criar um espaço para que determinadas experiências sejam elaboradas.

Determinadas situações de turbulência emocional podem vir a se tornar gatilhos para crises de SII. Isso pode levar a uma espécie de ciclo vicioso, afinal de contas, os próprios sintomas desconfortáveis da SII geram mais ansiedade e raiva. A relação entre digestão e saúde mental é contínua e acontece de maneira interacional, como uma orquestra.

A noção de microbiota intestinal pode ser usada como uma metáfora para pensar o nosso mundo psíquico. Cada um vive a partir de um ecossistema mental, composto por fantasias, desejos, medos, necessidades. Pontos de sensibilidade e pontos de possibilidade. Assim como os seres diversos que fazem parte do sistema digestivo, esses aspectos psíquicos também estão em constante interação, igualmente sujeitos a influências diversas.

A abordagem integral para SII pode ser fundamental para um controle de sintomas, junto com o acompanhamento médico e nutricional. Afinal, o falso divórcio entre saúde mental e saúde física provoca uma fragmentação de cuidados aos pacientes.

O nosso psiquismo também precisa fazer a digestão-metabolização dos acontecimentos da vida. E, assim como é pra o sistema digestivo, isso não acontece como se quer, mas como dá. Determinadas experiências, de acordo com nossa psicodinâmica, podem ser vividas de maneira indigesta. Muitos psicanalistas, como Bion e Meltzer, pensaram a mente como um tipo de sistema digestório que metaboliza (ou não) certas experiências emocionais.

Na Síndrome do Intestino Irritável, uma emoção pode merecer uma atenção especial: a raiva. Se fosse um personagem, a raiva seria peculiar. Ela é extravagante, mas quando autodirigida pode paralisar. Pode ser passiva ou ativa. Pode ser usada para fins de destruição, mas também é ingrediente básico de reparações.

Já do ponto de vista bioquímico, alguns estudos científicos apontam que a raiva aumenta a atividade motora do cólon e que, ao mesmo tempo, pacientes com SII teriam pontuações mais altas em itens que envolvem raiva e irritação, sem necessariamente haver sintomas depressivos ou de ansiedade.

Isso não significa que a SII é “causada” por fatores psicológicos. O que a Psicossomática propõe é justamente que a gente se livre do falso divórcio entre corporal e mental. Além disso, a psicanálise não escuta uma doença, mas o sujeito como um todo.

Autoria:

Rafael Santos Barboza, psicólogo (CRP 06/142198) e Psicanalista. Especialista em Psicologia da Saúde. Pós-Graduado em Psicossomática.

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