Ao sintoma, com carinho

Rafael Santos Barboza
3 min readJan 26, 2024

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“Automat” de Edward Hopper (1927)

Algo similar a uma análise ou uma psicoterapia é uma invenção relativamente nova na história humana. Um aspecto, entretanto, já parece extremamente reconhecível: o sujeito tem um grande apego aos seus sintomas, trata-os como objetos de valor, por mais peso que tragam.

Uma das principais características do inconsciente é quebrar com a lógica do “ou”. Ao invés de uma coisa “ou” outra: amor e ódio, sofrimento e satisfação, inveja e gratidão, querer a paz e, na mesma medida, convocar a guerra.

Um pedido comum em análise (muitas vezes implícito) é que o analista diga o que o sujeito precisa fazer, qual o jeito certo de pensar e sentir. No fim das contas, trata-se de um pedido para se livrar desse funcionamento inconsciente.

Tudo isso para dizer que o sintoma é sofrimento e satisfação. Se o sintoma não contemplasse também níveis de satisfação, mesmo que paradoxal, talvez não houvesse psicanálise, nem psicoterapias.

Por certo ponto de vista, o sintoma não é um problema, mas a solução. De outro ângulo, quando se torna automatizado, torna-se uma fórmula utilizada para problemas diferentes, o que, na matemática e na vida, não costuma dar tão certo.

Como um troféu, o sintoma também é uma conquista. Por mais que crie inconveniências diversas, é vivido como algo de extremo valor. Há uma espécie de dívida com os sintomas, pois, de algum modo, eles também salvaram o sujeito de certas situações traumáticas.

Para Alain Vanier, no sintoma “alguma coisa procura ser dita e não consegue fazê-lo de outra maneira”. Quando convidado a falar do seu sintoma, o sujeito costuma dizer “algo a mais”. Esse algo a mais que vai além é um caminho para a singularidade e para a criatividade originária de reinventar nossos sintomas.

O objetivo de uma análise não é o de eliminar os sintomas. Quando isso acontece, trata-se mais de um efeito secundário da escuta do sujeito. A tentativa de arrancar o sintoma de alguém geralmente resulta em resistência. O sintoma desaparece quando ele perde a sua função, quando é possível criar outras respostas, quando é possível reinventá-lo.

Trata-se, portanto, de uma pista sobre como o sujeito de posiciona diante da vida, com seus impasses e desejos. Por outro lado, em determinadas situações, o sintoma sequestra a capacidade do sujeito de lidar com situações diversas de uma forma mais criativa. Para o psicanalista Thomas Ogden, por exemplo, o sintoma começa quando a capacidade de sonhar finaliza (“sonhar” aqui não tem o sentido de conquistas, mas de elaborar experiências).

Freud faz ainda um diferença entre sintoma e inibição. O sintoma se apresenta como uma espécie de solução a um conflito, enquanto a inibição faria referência aos impedimentos na vida do sujeito (por exemplo, não conseguir sair da sua casa). O sintoma seria algo que o sujeito faz e a inibição o que ele deixa de fazer. O sintoma é uma manifestação, enquanto a inibição seria uma precaução/evitamento. . O sintoma é movimento, enquanto a inibição é congelamento. Frequentemente, inibições e sintoma estão entrelaçados na vida do sujeito.

Autor:

Meu nome é Rafael Santos Barboza, sou psicólogo (CRP 06/142198) e psicanalista, atuando com atendimentos de forma remota/online.

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